Vanilce Fiel

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Dilemas e desafios para o ensino religioso escolar, no contexto da diversidade cultural religiosa.

Dilemas e desafios para o ensino religioso escolar, no contexto da diversidade cultural religiosa.
Profª Vanilce do Socorro Pinto Fiel¹


RESUMO
O presente estudo tem como objetivo, analisar questões pertinentes ao papel do ensino religioso no âmbito escolar, e aos desafios a serem enfrentados, no contexto dos esgotamentos dos seus atuais pressupostos e da busca de uma alternativa mais condizente com os dilemas contemporâneos.
Estando a educação inserida nas relações sócio-culturais, não pode omitir a responsabilidade de atuar no sentido de pensar, compreender e empenhar-se no intuito de buscar um ensino voltado para práticas democráticas de respeito e tolerância às diferenças, cada vez mais postas à mostra no contexto da sociedade global, na qual a grande marca é a diversidade. Para tanto, torna-se necessário à educação um compromisso com as diversas culturas que nos formaram e que nos formam, no sentido de tratá-las em pé de igualdade, fugindo de preconceitos e ideologias que até então, algumas delas, eram tipificadas como inferiores e outras superiores. Dessa forma, o presente estudo apresenta como desafio primeiro para o ensino religioso, tratar o ser humano como sendo um ser parte integral, dotado de razão e espírito e inserido em contexto, econômico, político, natural e social.



PALAVRAS - CHAVE: Ensino religioso - valores éticos – cidadania – cultura – diversidade - interdisciplinaridade






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¹Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Pará, professora de Filosofia da Rede Pública Estadual do Pará, Graduanda em Ciência da Religião pela Universidade Estadual do Pará
Dilemas e desafios para o ensino religioso escolar, no contexto da diversidade cultural religiosa.

Estamos vivenciando um momento de crises em todos os âmbitos, crises econômica, política, cultural e social, e todas se remetem a um esvaziamento de valores éticos, que refletem ou em um vazio existencial e/ou em um exagero exacerbado por parte dos que professam uma religião, levando muitas das vezes a atitudes intolerantes e chagando ao ponto de assumirem posturas fundamentalistas. Em contrapartida, há os que, sem professar religião alguma desenvolvem atitudes que acarretam a violação aos direitos do cidadão. Isso tudo nos leva a refletir e a considerar a importância de se lutar pela efetivação do ensino religioso que esteja de fato suplantado dos ideários de liberdade e de respeito, seja no que tange as leis, seja no que se encontra subjetivamente construído social e culturalmente.
Fazendo uma análise da escola na realidade atual, percebemos que cabe e ela uma urgente tomada de decisão no que se refere à construção de conteúdos e objetivos, pois, vivemos um novo século, que trás uma herança ou uma dívida que precisa ser visto pela escola como sendo um desafio a ser vencido. O breve século XX deixou suas marcas na sociedade a nível planetário, por ter sido um século de muitas complexidades, a ponto do historiador HOBSBAWM (1995), dedicar um específico e longo estudo que servirá de parâmetros para a contemporaneidade. O mesmo dividiu o século em três eras:
Era da catástrofe, marcada pelas duas grandes guerras, crises econômica de 1929, a segunda, ele chama de anos dourados, entre 1950 e 1960, período que reinou a paz, e a estabilização do capitalismo, mas que logo em seguida entre 1970 e 1991, acontece o desmoronamento, caindo por terra os sistemas institucionais, que previnem e limitam a barbarismo contemporâneo, dando lugar a brutalização da política e as irresponsabilidades econômicas, abrindo as portas para a era das incertezas.

Esta última seria a herança deixada para nós, que se apresenta como sendo um grande paradoxo, pois ao mesmo tempo em que vivemos no auge das luzes, ou seja, do conhecimento, somos diariamente surpreendidos com noticias de catástrofes e comportamentos que não lembram nem de longe o tão anunciado milagre do progresso, e do esclarecimento que tanto se propagou, as intervenções realizadas na natureza, todos se justificavam em nome do progresso, que viria resolver todos os problemas da humanidade.
Assim, o mundo dito pós-moderno, civilizado, não conseguiu resolver seus conflitos. Ao contrário, o que verificamos são seus acirramentos. Mesmo com toda promessa da modernidade que consistia em mudanças na economia expressas em novas formas de produção e baseadas nas novas tecnologias e no capitalismo financeiro.
A ideia do progresso trás em sua bagagem, toda uma reestruturação do capitalismo no cenário internacional, que vem sendo chamado de globalização ou mundialização, que não deixa de ser, o velho com uma nova roupagem, porque no final o que prevalece, é a lucratividade e competitividade dos países que se encontram na liderança do desenvolvimento tecnológico, ou seja, tudo que sempre esteve nas bases tanto do imperialismo, quanto do neoliberalismo, que sempre trouxe em seu modelo econômico, grandes consequências aos países menos desenvolvidos, consistindo em uma subordinação da sociedade às leis de mercado, que ao fornecerem a matéria prima, ganham, mais miséria, menos emprego, mais devastação e pouco investimento em ciência e tecnologia, ou seja, o grande milagre do progresso anunciado não chegou pra todos.
E não para por ai, vindo para o campo cultural, acreditava-se na promessa de um mundo globalizado, onde se propagavam as ideias de um intercâmbio entre as culturas, ou de uma uniformização do mundo, mas o que verificamos são movimentos de afirmação de valores culturais e de fortalecimento de grupos minoritários, baseando suas lutas em uma afirmação intolerante e excludente, em que para um existir o outro precisa ser eliminado.
Diante do cenário que se apresenta de crises de valores, materiais e culturais, a escola do século XXI vem enfrentado um grande dilema: como educar em meio a toda esta crise e ainda educar pessoas que se julgam educadas? São filhos da revolução comercial-tecnológica, bombardeados freneticamente por informações e produtos que, por mais que não atinja a todos diretamente, de alguma forma se faz presente, pois conforme afirma LIBÂNEO (2001), “a tecnologia além de provocar mudanças nos modos de vida das pessoas, também amplia a distância, criando o mundo dos que têm e dos que nada possuem. Os que têm usufruem dos benefícios, já os excluídos, estes dividem só os prejuízos”. Em meio a tudo isso encontra-se a escola como instituição pública que deverá assumir o desafio, que para MORIN (2008). “o de religar ciência e os cidadãos, com a finalidade de possibilitar uma democracia cognitiva, ou seja, uma democracia em que os conhecimentos e competências possam ser compartilhados”.
Outrossim, concordamos com LIBÂNEO (2001), ao afirma, ser papel insubstituível da escola, prover condições intelectuais, que possibilite aos alunos a maturidade racional e crítica diante da avalanche de informações que chegam até eles, além de poder desenvolver a capacidade de se afirmar enquanto indivíduo, mas sem perder a relação com o outro e de reconhecer-se diante das situações que lhes são apresentadas, pois como o próprio LIBÂNEO (2001, p. 37,38) afirma:
A informação é necessária, mas ela vem exercendo um domínio cada vez mais forte sobre as pessoas, cada vez mais escravizadas por elas. Informação não é sinônimo de conhecimento, por si só ela não propicia o saber. A informação é um caminho de acesso ao conhecimento, é um instrumento de aquisição de conhecimento, mas ela precisa ser analisada e interpretada pelo conhecimento, que possibilite a filtragem e a crítica da informação, de modo que ela não exerça o domínio sobre a consciência das pessoas.

Voltemos ao cerne da nossa questão: a crise de valores éticos. Observa-se problemas em todos os aspectos, nas relações, interpessoal e intrapessoal, tudo passa a ser relativizado, é quase impossível perceber um consenso em se tratando de valores, pois, as ditas inteligências múltiplas, empurram as pessoas para as múltiplas individualidades que segundo MODESTO (1996), o efeito deste fenômeno se manifesta de forma perversa, pois além de realizar o rompimento entre sujeito e cultura, também leva o indivíduo a conviver em um mundo de contradições, a valores diluídos, gerando dessa forma instabilidades emocionais, crises de identidade, retardo de amadurecimento dentre outros. “Frentes a essas crises, a religião seria eficaz, no sentido de devolver a humanidade a unidade perdida, tanto no nível do indivíduo, como também de grupos sociais” MODESTO (1996, p. 80).
A personalidade individualizada, além de todas as consequências já apontadas, vem ser, quem sabe a grande causadora do esvaziamento no debate político, no que tange a participação da sociedade civil nos espaços de disputa e de discussão dos interesses coletivos, ou seja, cada vez mais assistimos ao desinteresse pelas lutas políticas, como se estas não tivessem mais validade e cada vez tornam-se mais comuns as lutas por questões individuais. Segundo LIBÂNEO (2001, p. 38):
No campo político, ressalta-se a diminuição da crença da ação pública na solução dos problemas, descrença nas formas convencionais de representação política, aumento do individualismo, da insensibilidade social. Tais características levam a novas formas de fazer política, destacando novos movimentos sociais, novas formas de organização que mostram novos caminhos de controle público sobre o estado. Esses fatos lançam novas perspectivas sobre o sentido da formação da cidadania, uma vez que se faz necessário educar para a participação social, para o reconhecimento das diferenças entre os vários grupos sociais, para a diversidade cultural, para os valores e direitos humanos. Isso significa, também, que menor ou maior acesso à educação escolar e a outros bens culturais, determina a qualidade da participação popular nos processos decisórios existentes na sociedade civil.

Neste sentido, uma educação que tenha como princípio a pluralidade cultural torna-se urgente. E o ensino religioso deverá ser o fio condutor, a chave mestra, aquela que irá conduzir ao caminho de saída deste labirinto que se encontra a sociedade. Desenvolvendo um trabalho que esteja voltado para o estudo do fenômeno religioso, do sagrado, do transcendental, mas tendo como princípio balizador, tratar o ser humano, como sendo um ser completo, dotado de razão, sensibilidade, emoção e desejo, considerando que este ser encontra-se inserido em um mundo que não lhe é alheio, e no mundo que ele se encontra existem outros, e todos de alguma forma se relacionam dentro de normas, culturas, crenças e comportamento que se diferenciam. Dessa forma, a prática do trabalho docente no ensino religioso deverá levar em conta que o desenvolvimento de um pressupõe o sucesso de todos, pois viver em sociedade consiste em partilha e interação, apoiados sob quatro pilares: liberdade, igualdade, solidariedade e fraternidade.
Segundo MORIN (2008, p. 48), “a liberdade pode ser instituída e garantida pela constituição, a igualdade pode ser, em certa medida, imposta pelas leis ou pelo acesso à escolaridade, mas a fraternidade, assim como a solidariedade, ninguém pode impô-la do exterior, mas estas poderão ser vividas, exercitadas e até ensinadas”. O mesmo acontece ao se tratando de ética e amor, ninguém nasce ético , assim como ninguém nasce amando, são valores que deverão ser ensinados em todos os espaços de formação, na família, nos espaços de convivência coletiva, seja de cunho religioso ou cultural, nos espaços de organizações sociais, ONGs, sindicatos e etc. Mas, pensamos como sendo imprescindível que a escola dentre outros objetivos, assuma como meta o envolvimento de todos da comunidade escolar, para o desafio de ensinar tais valores. Cabendo, de acordo com nosso entendimento, ao ensino religioso realizar o esforço coletivo, ou seja, encarar o desafio de tornar real o tão propagado discurso da interdisciplinaridade, ou quem sabe, transdisciplinaridade, na tentativa de solucionar problemas que já extrapolaram a muito, o nível de tolerância. A humanidade pede socorro, e as instituições precisam recuperar o prestígio a muito perdido e devolver pra sociedade o bem mais precioso, o respeito à vida em todos os aspectos, o amor, e a tão sonhada paz.
Sonhos se farão realidade se as práticas educativas estiverem inseridas nas relações sócio-culturais, e não se omitindo das responsabilidades de pensar ações voltadas para construções democráticas de respeito e tolerância às diferenças, cada vez mais postas à mostra no contexto da sociedade global, na qual a grande marca é a diversidade cultural e religiosa.
Portanto, torna-se necessário à educação um compromisso com as diversas culturas que nos formaram e que nos formam, no sentido de tratá-las em pé de igualdade, fugindo de preconceitos e ideologias que até então, algumas delas, eram consideradas como inferiores e outras superiores, Entretanto, o conceito de cultura deverá ser compreendido no âmbito escolar, como sendo tudo aquilo que resulta do cultivo que o ser humano faz das condições de vida que a natureza lhe ofereceu. Pois é impossível se pensar hoje a cultura, a natureza e o ser humano como partes distintas, pois, ambos encontram-se integrados, numa relação de reciprocidade.










REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


MODESTO, Ana Lúcia. Religião, Escola, e os problemas da sociedade contemporânea.
In: DAYRELL, Juarez (org). Múltiplos Olhares sobre Educação e Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996.

MORIN, Edgar. Ética, Cultura e Educação / PENA-VEGA, Alfredo; ALMEIDA, Cleide R. S; PETRAGLIA, Isabel (orgs). – 3. ed.- São Paulo: Cortez, 2008.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

LIBÂNEO, José Carlos. Organização e Gestão da Escola: Teoria e Pratica. Goiânia: Editora Alternativa, 2001.

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