Vanilce Fiel

sábado, 29 de janeiro de 2011

COMO SE FORMOU O ANTIGO TESTAMENTO
Por: Vanilce Fiel *

A Bíblia Sagrada é uma coleção de livros que passaram pelos testes de autenticidade e autoridade, por isso, são chamados de coleção canônica, consiste em duas partes, Antigo e Novo Testamento, neste primeiro momento me restringirei em apresentar um breve estudo histórico, acerca da formação do Antigo Testamento.
Para um leitor iniciante dos estudos da Bíblia, penso que é importante partir da etimologia da palavra, para que possamos de fato garantir a compreensão desses estudos. Canôn originalmente significava "junco" ou "talo" de papiro, capim-limão ou cálamo. Pelo fato dos juncos serem usados como réguas ou instrumentos para fazer linhas retas, "canon" passou a significar "medida" ou "haste de medição".
Com relação à terminologia do Antigo Testamento, esta apresenta três variantes: para os católicos os Protocanônicos são os 39 livros do Cânon ou catálogo que foi definido pelos judeus e encerrado no 1° século d.C.; deuterocanônicos, são os livros do 2º cânon, definido pelos cristãos e encerrado no 4° século d.C, compreende-se os 7 livros que Judeus e Protestantes não aceitam. Para os protestantes: os canônicos são os livros inspirados; os apócrifos como já foi dito foram reiterados por estes, e os Pseudo-Epígrafos ou “falsos escritos” correspondentes aos apócrifos dos católicos, entre os quais temos: os Salmos de Salomão, Henoc, 3º e 4º de Esdras, Jubileus, Ascensão de Moisés, Testamento dos patriarcas, Martírio de Isaías dentre outros. Já para os Judeus a terminologia acompanha a terminologia católica porque entre os judeus, alguns aceitam todos os livros aceitos pelos católicos e outros não.
Como se formaram? Esta resposta não é muito clara, pois não dispomos do documento original. O que temos são cópias resultantes de diversas outras cópias, que se deu em um longo e complicado processo e, provavelmente por vários séculos da história dos hebreus.
Inicialmente a revelação de Deus aos hebreus era transmitida de forma oral na maioria dos casos. Mensagens como "Assim diz o Soberano Senhor" e "Ouçam a Palavra do Senhor" no Antigo Testamento, foram ditas por Isaias (1.10), Ezequiel (5.5), oralmente como receberam de Deus. Esses pronunciamentos foram passados às gerações seguintes com "Palavra do Senhor" na forma tradicional oral recebida.
Em determinado ponto, palavras adágios e discursos divinamente inspirados foram registrados e preservados pela comunidade hebraica na forma escrita. Em certas ocasiões o pronunciamento e a escrita ou registro eram quase simultâneos, como o Livro da Lei, em Êxodo 24.3-4; Josué 1.8, e o oráculo de Jeremias para o rei Joaquim em Jr 36. Em outros casos o documento da revelação divina acontecia certo tempo após o acontecimento ou a circunstância que inspirou a Palavra do Senhor.

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*Vanilce do Socorro Pinto Fiel é Graduada em Filosofia pela Universidade Federal, Professora da Rede Pública Estadual do Pará, e Graduada em Ciência da Religião pela Universidade Estadual do Pará
O cânon da Escritura formava-se, à medida que cada livro era escrito, e completou-se quando o último livro foi terminado. Quando falamos da “formação” do cânon estamos realmente falando do reconhecimento dos livros canônicos pela Igreja. Esse processo levou algum tempo. Alguns afirmam que todos os livros do Antigo Testamento já haviam sido colecionados e reconhecidos por Esdras, no quinto século a.C. Referências nos escritos de Flávio Josefo (95 d.C.) indicam a extensão do cânon do Antigo Testamento como os 39 livros que hoje aceitamos. A discussão do chamado Sínodo de Jamnia (70-100 d.C) parece ter partido deste cânon. Nosso Senhor delimitou a extensão dos livros canônicos do Antigo Testamento quando acusou os escribas de serem culpados da morte de todos os profetas que Deus enviara a Israel, de Abel a Zacarias (Lc 11.51). O relato da morte de Abel está, é claro, em Gênesis; o de Zacarias se acha em segundo Crônicas 24.20,21, que é o último livro na disposição da Bíblia hebraica (em lugar de Malaquias). Para nós, é como se Jesus tivesse dito: “Sua culpa está registrada em toda a Bíblia - de Gênesis a Malaquias”. Ele não incluiu qualquer dos livros apócrifos que já existiam em seu tempo e que continham relatos das mortes de outros mártires israelitas.
Os manuscritos originais do Antigo Testamento e suas primeiras cópias foram escritos em pergaminhos ou papiro, desde o tempo de Moisés (c. 1450 a.C.) até o tempo de Malaquias (400 a.C.). Até a sensacional descoberta dos Rolos do Mar Morto em 1947, não possuíamos cópias do Antigo Testamento anteriores a 895 d.C. Uma das razões que garante a sua confiabilidade dá-se pelo fato da veneração que os judeus tinham pelo texto sagrados e que os levava a enterrar as cópias, à medida que ficavam gastas demais para uso regular. Na verdade, os massoretas (tradicionalistas), que acrescentaram os acentos e transcreveram a vocalização entre 600 e 950 d.C., padronizando em geral o texto do Antigo Testamento, engendraram maneiras sutis de preservar a exatidão das cópias que faziam. Verificavam cada cópia cuidadosamente, contanto a letra média de cada página, livro e divisão. Alguém já disse que qualquer coisa numerável era numerada. Quando os Rolos do Mar Morto ou Manuscritos do Mar Morto foram descobertos, trouxeram a luz um texto hebraico datado do II século a.C. de todos os livros do Antigo Testamento à exceção de Ester. Essa descoberta foi extremamente importante, pois forneceu um instrumento muito mais antigo para verificarmos a exatidão do Texto Massorético, que se provou extremamente exata.
Quem eram os Massoretas?
Os Massoretas eram os escribas judeus que se dedicaram a preservar e cuidar do manejo do texto hebraico do Velho Testamento. Às vezes o termo também é empregado para o comentarista judeu do livro sagrado. Eles substituíram os escribas (Sopherins) por volta mais ou menos do ano 500 a. C e prosseguiram em seu dedicado trabalho até o ano 1.000 a. C
O hebraico, como era originalmente escrito, constava apenas de consoantes, sendo os sons vocálicos supridos pelo leitor, além das palavras serem todas unidas. Este processo obrigava o leitor a pensar e ir interpretando o texto, para descobrir-lhe o exato sentido, pois três consoantes (assim eram formadas as palavras em hebraico) com vogais diferentes, podem indicar coisas muito diversas, como ilustram as consoantes portuguesas p t t, nas palavras pateta, patota, e patote, e ainda b r d - barda, bardo, borda, bordo, etc.
A escrita das consoantes foi apenas processo de adequação enquanto o hebraico continuou sendo um idioma falado. Quando aparecia uma palavra que podia ser ambígua, eram usadas "letras vogais" para deixar o texto mais claro. Quatro consoantes fracas, algumas vezes eram usadas como vogais = álefe, hê, vau e o iode.
Quando o hebraico foi deixando de ser uma língua falada (já no tempo de Cristo não era uma língua viva) muito mais difícil ficou a pronúncia correta das consoantes sem sinais vocálicos. A pronúncia correta das palavras era transmitida pela tradição oral, mas em breve foi sentida a necessidade de ser esta representada por escrito.
O minudente e consciencioso trabalho estatístico que os massoretas realizaram é impressionante, empregando toda a técnica que é possível ao ser humano para assegurar a exata transmissão do texto. Dentre as estritas e minuciosas regras a serem seguidas na cópia dos manuscritos, uma era a seguinte: nenhuma palavra ou letra devia ser escrita de memória. Antes de iniciarem propriamente a cópia, eles contavam os versos, as palavras e letras de cada seção e se os números não correspondessem na nova cópia, o trabalho era rejeitado.
Além disso, existem nas Bíblias enormes coleções de notas massoréticas, tratando de assuntos tais como: contavam as palavras de um livro e assinalavam a palavra central, registravam o número de vezes que uma palavra ou frase específica ocorriam, faziam listas com palavras que apareciam uma, duas ou três vezes no Velho Testamento, anotavam as construções e formas já desusadas. Eles notaram, por exemplo, que a letra central da Lei se achava em Lev. 11:42, quanto aos salmos, a letra central está no salmo 80:4, o versículo central é o 36 do salmo 78.
Desde que o supremo alvo dos massoretas era transmitir o texto tão fielmente como o tinham recebido, não faziam nele nenhuma alteração. Onde presumiam que tinha havido algum erro de transcrição, ou onde uma palavra não estava mais em uso polido, colocavam a palavra certa ou preferível, na margem. Neste caso, a palavra correta ou preferida e que tencionavam que fosse lida, chamavam "Qerê" – o que deve ser lido, mas as suas vogais eram postas sob as consoantes da palavra no texto inviolável (esta era chamada de Kethibi = o escrito).
Deus é designado na Bíblia por vários nomes, o "iod", o "hê", o "vau", e novamente o "hê", conhecidas como Y H W H, algumas vezes também transliteradas em J H V H.
Como os judeus eram excessivamente respeitosos para com o nome da Divindade, para evitar que alguém o profanasse, pronunciando-o, usavam em seu lugar Adonai = o Senhor.
Os massoretas colocavam sob o tetragrama do texto hebraico consonantal as vogais a, o, â da palavra Adonai. Desde que este título era tão comum, pois aparece no Velho Testamento 6.823 vezes, os massoretas acharam desnecessários chamar a atenção para este "Qerê" = o que deve ser lido; recebendo até o nome de "Qerê Perpétuo".
Já no tempo da Reforma quando se incrementou o estudo das línguas bíblicas, ao lerem o Velho Testamento, por não compreenderem bem o problema de "Qerê e Kethibi" uniram as vogais da palavra Adonai com as consoantes do tetragrama, aparecendo a palavra hebraica Jeová, até aquele tempo inexistente. A pronúncia correta em português para este nome da Divindade deve ser Javé ou Jaweh.
Neste sentido podemos concluir que o aparato crítico introduzido pelos Massoretas é provavelmente o mais completo da sua espécie. Embora todo a trabalho massorético fosse útil e importante, entre eles o que mais se destaca e o mais conhecido foi a criação de um sistema de sinais vocálicos que introduziram no texto consonantal para a correta pronúncia das palavras, tornando-se talvez um trabalho único, além de ser a única garantia das Escrituras Sagradas chegarem até os dias de hoje. Portanto, todo mérito por esta grandiosa obra, que vem inspirando gerações e gerações por milênios, devemos ao valoroso trabalho dos Massoretas, fora um trabalho tão minucioso e tão respeitoso para com a palavra de Deu, que eles tiveram o cuidado de anotar toda e qualquer alteração feita por eles, como podemos observar:
1) A Massora Inicial – Um estudo da palavra inicial do livro, que sempre era usada como título para o livro.
2) A Massora Pequena – Eram os comentários que se encontravam nas margens laterais.
3) A Massora Grande – Comentários colocados nas partes posteriores e inferiores da página.
4) A Massora Final – como o nome indica, era posta no final do livro, contendo, especialmente, dados estatísticos para o copista, como número de letras e palavras daquele livro, a palavra medial, etc.
Apesar do trabalho dos massoretas ter sido bastante cuidadoso, acredita-se que nem todos os manuscritos foram copiados com tal esmero e exatidão, é possível que tenha ocorrido algum equivoco, em se tratando de um trabalho humano é perfeitamente aceitável. Em consequência nem todas as cópias sagradas do original são exatamente iguais, há muitas variações dos manuscritos, que dificultam bastante o trabalho dos tradutores. Apesar destas variações, o trabalho da Crítica Textual tem sido tão eficiente na reconstrução do original, que na essência o texto da Bíblia não sofreu nenhuma alteração.



Fontes consultadas:
Material apostilado do Professor, Giovanni Battista Tuveri
História do Texto Bíblico
A Bíblia Anotada - Mundo Cristão
Panorama do Antigo Testamento - Editora Vida

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Dilemas e desafios para o ensino religioso escolar, no contexto da diversidade cultural religiosa.

Dilemas e desafios para o ensino religioso escolar, no contexto da diversidade cultural religiosa.
Profª Vanilce do Socorro Pinto Fiel¹


RESUMO
O presente estudo tem como objetivo, analisar questões pertinentes ao papel do ensino religioso no âmbito escolar, e aos desafios a serem enfrentados, no contexto dos esgotamentos dos seus atuais pressupostos e da busca de uma alternativa mais condizente com os dilemas contemporâneos.
Estando a educação inserida nas relações sócio-culturais, não pode omitir a responsabilidade de atuar no sentido de pensar, compreender e empenhar-se no intuito de buscar um ensino voltado para práticas democráticas de respeito e tolerância às diferenças, cada vez mais postas à mostra no contexto da sociedade global, na qual a grande marca é a diversidade. Para tanto, torna-se necessário à educação um compromisso com as diversas culturas que nos formaram e que nos formam, no sentido de tratá-las em pé de igualdade, fugindo de preconceitos e ideologias que até então, algumas delas, eram tipificadas como inferiores e outras superiores. Dessa forma, o presente estudo apresenta como desafio primeiro para o ensino religioso, tratar o ser humano como sendo um ser parte integral, dotado de razão e espírito e inserido em contexto, econômico, político, natural e social.



PALAVRAS - CHAVE: Ensino religioso - valores éticos – cidadania – cultura – diversidade - interdisciplinaridade






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¹Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Pará, professora de Filosofia da Rede Pública Estadual do Pará, Graduanda em Ciência da Religião pela Universidade Estadual do Pará
Dilemas e desafios para o ensino religioso escolar, no contexto da diversidade cultural religiosa.

Estamos vivenciando um momento de crises em todos os âmbitos, crises econômica, política, cultural e social, e todas se remetem a um esvaziamento de valores éticos, que refletem ou em um vazio existencial e/ou em um exagero exacerbado por parte dos que professam uma religião, levando muitas das vezes a atitudes intolerantes e chagando ao ponto de assumirem posturas fundamentalistas. Em contrapartida, há os que, sem professar religião alguma desenvolvem atitudes que acarretam a violação aos direitos do cidadão. Isso tudo nos leva a refletir e a considerar a importância de se lutar pela efetivação do ensino religioso que esteja de fato suplantado dos ideários de liberdade e de respeito, seja no que tange as leis, seja no que se encontra subjetivamente construído social e culturalmente.
Fazendo uma análise da escola na realidade atual, percebemos que cabe e ela uma urgente tomada de decisão no que se refere à construção de conteúdos e objetivos, pois, vivemos um novo século, que trás uma herança ou uma dívida que precisa ser visto pela escola como sendo um desafio a ser vencido. O breve século XX deixou suas marcas na sociedade a nível planetário, por ter sido um século de muitas complexidades, a ponto do historiador HOBSBAWM (1995), dedicar um específico e longo estudo que servirá de parâmetros para a contemporaneidade. O mesmo dividiu o século em três eras:
Era da catástrofe, marcada pelas duas grandes guerras, crises econômica de 1929, a segunda, ele chama de anos dourados, entre 1950 e 1960, período que reinou a paz, e a estabilização do capitalismo, mas que logo em seguida entre 1970 e 1991, acontece o desmoronamento, caindo por terra os sistemas institucionais, que previnem e limitam a barbarismo contemporâneo, dando lugar a brutalização da política e as irresponsabilidades econômicas, abrindo as portas para a era das incertezas.

Esta última seria a herança deixada para nós, que se apresenta como sendo um grande paradoxo, pois ao mesmo tempo em que vivemos no auge das luzes, ou seja, do conhecimento, somos diariamente surpreendidos com noticias de catástrofes e comportamentos que não lembram nem de longe o tão anunciado milagre do progresso, e do esclarecimento que tanto se propagou, as intervenções realizadas na natureza, todos se justificavam em nome do progresso, que viria resolver todos os problemas da humanidade.
Assim, o mundo dito pós-moderno, civilizado, não conseguiu resolver seus conflitos. Ao contrário, o que verificamos são seus acirramentos. Mesmo com toda promessa da modernidade que consistia em mudanças na economia expressas em novas formas de produção e baseadas nas novas tecnologias e no capitalismo financeiro.
A ideia do progresso trás em sua bagagem, toda uma reestruturação do capitalismo no cenário internacional, que vem sendo chamado de globalização ou mundialização, que não deixa de ser, o velho com uma nova roupagem, porque no final o que prevalece, é a lucratividade e competitividade dos países que se encontram na liderança do desenvolvimento tecnológico, ou seja, tudo que sempre esteve nas bases tanto do imperialismo, quanto do neoliberalismo, que sempre trouxe em seu modelo econômico, grandes consequências aos países menos desenvolvidos, consistindo em uma subordinação da sociedade às leis de mercado, que ao fornecerem a matéria prima, ganham, mais miséria, menos emprego, mais devastação e pouco investimento em ciência e tecnologia, ou seja, o grande milagre do progresso anunciado não chegou pra todos.
E não para por ai, vindo para o campo cultural, acreditava-se na promessa de um mundo globalizado, onde se propagavam as ideias de um intercâmbio entre as culturas, ou de uma uniformização do mundo, mas o que verificamos são movimentos de afirmação de valores culturais e de fortalecimento de grupos minoritários, baseando suas lutas em uma afirmação intolerante e excludente, em que para um existir o outro precisa ser eliminado.
Diante do cenário que se apresenta de crises de valores, materiais e culturais, a escola do século XXI vem enfrentado um grande dilema: como educar em meio a toda esta crise e ainda educar pessoas que se julgam educadas? São filhos da revolução comercial-tecnológica, bombardeados freneticamente por informações e produtos que, por mais que não atinja a todos diretamente, de alguma forma se faz presente, pois conforme afirma LIBÂNEO (2001), “a tecnologia além de provocar mudanças nos modos de vida das pessoas, também amplia a distância, criando o mundo dos que têm e dos que nada possuem. Os que têm usufruem dos benefícios, já os excluídos, estes dividem só os prejuízos”. Em meio a tudo isso encontra-se a escola como instituição pública que deverá assumir o desafio, que para MORIN (2008). “o de religar ciência e os cidadãos, com a finalidade de possibilitar uma democracia cognitiva, ou seja, uma democracia em que os conhecimentos e competências possam ser compartilhados”.
Outrossim, concordamos com LIBÂNEO (2001), ao afirma, ser papel insubstituível da escola, prover condições intelectuais, que possibilite aos alunos a maturidade racional e crítica diante da avalanche de informações que chegam até eles, além de poder desenvolver a capacidade de se afirmar enquanto indivíduo, mas sem perder a relação com o outro e de reconhecer-se diante das situações que lhes são apresentadas, pois como o próprio LIBÂNEO (2001, p. 37,38) afirma:
A informação é necessária, mas ela vem exercendo um domínio cada vez mais forte sobre as pessoas, cada vez mais escravizadas por elas. Informação não é sinônimo de conhecimento, por si só ela não propicia o saber. A informação é um caminho de acesso ao conhecimento, é um instrumento de aquisição de conhecimento, mas ela precisa ser analisada e interpretada pelo conhecimento, que possibilite a filtragem e a crítica da informação, de modo que ela não exerça o domínio sobre a consciência das pessoas.

Voltemos ao cerne da nossa questão: a crise de valores éticos. Observa-se problemas em todos os aspectos, nas relações, interpessoal e intrapessoal, tudo passa a ser relativizado, é quase impossível perceber um consenso em se tratando de valores, pois, as ditas inteligências múltiplas, empurram as pessoas para as múltiplas individualidades que segundo MODESTO (1996), o efeito deste fenômeno se manifesta de forma perversa, pois além de realizar o rompimento entre sujeito e cultura, também leva o indivíduo a conviver em um mundo de contradições, a valores diluídos, gerando dessa forma instabilidades emocionais, crises de identidade, retardo de amadurecimento dentre outros. “Frentes a essas crises, a religião seria eficaz, no sentido de devolver a humanidade a unidade perdida, tanto no nível do indivíduo, como também de grupos sociais” MODESTO (1996, p. 80).
A personalidade individualizada, além de todas as consequências já apontadas, vem ser, quem sabe a grande causadora do esvaziamento no debate político, no que tange a participação da sociedade civil nos espaços de disputa e de discussão dos interesses coletivos, ou seja, cada vez mais assistimos ao desinteresse pelas lutas políticas, como se estas não tivessem mais validade e cada vez tornam-se mais comuns as lutas por questões individuais. Segundo LIBÂNEO (2001, p. 38):
No campo político, ressalta-se a diminuição da crença da ação pública na solução dos problemas, descrença nas formas convencionais de representação política, aumento do individualismo, da insensibilidade social. Tais características levam a novas formas de fazer política, destacando novos movimentos sociais, novas formas de organização que mostram novos caminhos de controle público sobre o estado. Esses fatos lançam novas perspectivas sobre o sentido da formação da cidadania, uma vez que se faz necessário educar para a participação social, para o reconhecimento das diferenças entre os vários grupos sociais, para a diversidade cultural, para os valores e direitos humanos. Isso significa, também, que menor ou maior acesso à educação escolar e a outros bens culturais, determina a qualidade da participação popular nos processos decisórios existentes na sociedade civil.

Neste sentido, uma educação que tenha como princípio a pluralidade cultural torna-se urgente. E o ensino religioso deverá ser o fio condutor, a chave mestra, aquela que irá conduzir ao caminho de saída deste labirinto que se encontra a sociedade. Desenvolvendo um trabalho que esteja voltado para o estudo do fenômeno religioso, do sagrado, do transcendental, mas tendo como princípio balizador, tratar o ser humano, como sendo um ser completo, dotado de razão, sensibilidade, emoção e desejo, considerando que este ser encontra-se inserido em um mundo que não lhe é alheio, e no mundo que ele se encontra existem outros, e todos de alguma forma se relacionam dentro de normas, culturas, crenças e comportamento que se diferenciam. Dessa forma, a prática do trabalho docente no ensino religioso deverá levar em conta que o desenvolvimento de um pressupõe o sucesso de todos, pois viver em sociedade consiste em partilha e interação, apoiados sob quatro pilares: liberdade, igualdade, solidariedade e fraternidade.
Segundo MORIN (2008, p. 48), “a liberdade pode ser instituída e garantida pela constituição, a igualdade pode ser, em certa medida, imposta pelas leis ou pelo acesso à escolaridade, mas a fraternidade, assim como a solidariedade, ninguém pode impô-la do exterior, mas estas poderão ser vividas, exercitadas e até ensinadas”. O mesmo acontece ao se tratando de ética e amor, ninguém nasce ético , assim como ninguém nasce amando, são valores que deverão ser ensinados em todos os espaços de formação, na família, nos espaços de convivência coletiva, seja de cunho religioso ou cultural, nos espaços de organizações sociais, ONGs, sindicatos e etc. Mas, pensamos como sendo imprescindível que a escola dentre outros objetivos, assuma como meta o envolvimento de todos da comunidade escolar, para o desafio de ensinar tais valores. Cabendo, de acordo com nosso entendimento, ao ensino religioso realizar o esforço coletivo, ou seja, encarar o desafio de tornar real o tão propagado discurso da interdisciplinaridade, ou quem sabe, transdisciplinaridade, na tentativa de solucionar problemas que já extrapolaram a muito, o nível de tolerância. A humanidade pede socorro, e as instituições precisam recuperar o prestígio a muito perdido e devolver pra sociedade o bem mais precioso, o respeito à vida em todos os aspectos, o amor, e a tão sonhada paz.
Sonhos se farão realidade se as práticas educativas estiverem inseridas nas relações sócio-culturais, e não se omitindo das responsabilidades de pensar ações voltadas para construções democráticas de respeito e tolerância às diferenças, cada vez mais postas à mostra no contexto da sociedade global, na qual a grande marca é a diversidade cultural e religiosa.
Portanto, torna-se necessário à educação um compromisso com as diversas culturas que nos formaram e que nos formam, no sentido de tratá-las em pé de igualdade, fugindo de preconceitos e ideologias que até então, algumas delas, eram consideradas como inferiores e outras superiores, Entretanto, o conceito de cultura deverá ser compreendido no âmbito escolar, como sendo tudo aquilo que resulta do cultivo que o ser humano faz das condições de vida que a natureza lhe ofereceu. Pois é impossível se pensar hoje a cultura, a natureza e o ser humano como partes distintas, pois, ambos encontram-se integrados, numa relação de reciprocidade.










REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


MODESTO, Ana Lúcia. Religião, Escola, e os problemas da sociedade contemporânea.
In: DAYRELL, Juarez (org). Múltiplos Olhares sobre Educação e Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996.

MORIN, Edgar. Ética, Cultura e Educação / PENA-VEGA, Alfredo; ALMEIDA, Cleide R. S; PETRAGLIA, Isabel (orgs). – 3. ed.- São Paulo: Cortez, 2008.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

LIBÂNEO, José Carlos. Organização e Gestão da Escola: Teoria e Pratica. Goiânia: Editora Alternativa, 2001.

sábado, 22 de janeiro de 2011

As Encantarias do Rio Tocantins
Por: Vanilce Fiel
Esse caso aconteceu em meados da década de oitenta em um lugar chamado Ajará-Panema às margens do Rio Tocantins Município de Cametá. Tinha por volta de oito anos, mas lembro-me como se fosse hoje. Fazia parte da cultura local reunir a comunidade em torno de uma fogueira, nos dias em que se comemoravam os Santos Juninos, como sempre, o mais festejado era Santo Antônio, por ser o santo casamenteiro, e também porque, nesta localidade era tradição no dia do Santo, passarmos fogueira fazendo votos de padrinho e afilhado, compadre e comadre, minha cheira, para os que tinham os mesmos nomes, meu botão de flor, além de votos dos mais engraçados possíveis, lembro-me de duas amigas que passaram fogueira fazendo votos de se chamarem, pau de angola.
Era muito divertido, ouvir as pessoas passarem no rio gritando: ei minha cheira, outra, ei meu botão, pau de angola... Numa dessas, mamãe sugeriu que eu passasse fogueira de afilhada de uma moça velha, como dizem no interior, moças que já passaram dos 30 e ainda não casaram. A moça chamava-se Dinéia, e lembro-me também que nessa mesma noite, ela havia passado fogueira com votos de noiva e noivo com um rapaz que se chamava Antônio. Parece que o santo resolveu dar uma forcinha para a moça. Pois não é que a simpatia deu certo! Eles começaram namorar. Um namoro breve, logo se casaram, pois a moça não poderia esperar muito.
Os comentários nos domingos que sucederam o casamento eram muitos, no domingo toda a comunidade se encontra na igreja e lá colocavam as fofocas em dia. O assunto do dia era o casamento da moça velha. Não terão filhos! Já passou da idade! Ele é muito novo pra ela, logo ficará viúvo, essas coisas. Mas caros leitores, eu não os informei o principal motivo de tanto falatório, é que a minha querida madrinha de fogueira era mãe de santo, por isso as pessoas se importavam tanto com o novo casal, diziam até que ela havia feito macumba pra ele.
- Eu aposto que o nome dele está em baixo de algum santo.
- vejam como ele está magro e pálido.
- Aposto que ela fez algum ritual satânico para entregar a alma dele ao demônio.
Ouvia essas coisas todas indignada, afinal falavam da minha madrinha! E pra mim não havia nada de errado com ela, também não entendia muito as coisas que falavam acerca de macumba, feitiçaria, rituais satânicos. Mas tudo isso despertou minha curiosidade, e enchia minha mãe de perguntas. Apesar da minha mãe sempre falar que minha madrinha era uma pessoa boa, ajudava e curava as pessoas afastando o mal, tirando quebranto de criança, eu passei a ter certo medo dela, ao mesmo tempo, tudo sobre ela me fascinava, vivia pedindo pra minha mãe para ir visitá-la, cheguei até a pedir para assistir uns dos trabalhos que ela fazia na casa dela. Pra meu desencanto, não vi nada de mais, ela só ficava com voz de velha bebia e fumava muito, receitava remédios, quase sempre banhos e chás, rituais satânicos nunca vi, uma pena porque era o que eu mais temia, e o que mais me fascinava, pois nunca ninguém soube me explicar do que se tratava.
A vida seguia seu curso e aos poucos o novo casal foi deixando de ser o assunto dos domingos, até que minha madrinha ficara gestante, prenha, como diziam as pessoas no interior, mais uma vez, surgem os falatórios. Deixa está que o pior, ou melhor, ainda estaria por vir.
A gravidez transcorria, normalmente, viagens periódicas à Cametá, para as consultas, compras e mais compras, minha madrinha estava radiante com o filho que iria chegar, aproximava-se o nono mês, e os cuidados aumentavam, conforme comentava-se a criança estaria sentada, por isso, teriam que cortar a barriga da minha madrinha pra tirar o bebe, isso não entrava na minha cabeça, pois achava impossível alguém sobreviver a um corte desses, pensava que ela iria morrer, e isso me deixava triste, ou quem sabe enciumada, afinal de contas, até então eu era a única criança da vida dela, pois ela era filha única, não tinha sobrinhos, e por ela ser mãe de santo as pessoas não a convidavam para madrinha, portanto, eu reinava sozinha, e a ideia de uma outra criança, talvez não me animasse muito.
Um certo dia, amanheceu, e um mistério pairava no ar, surgiam conversas de toda natureza, a versão final seria que: durante a noite, antecipando-se o período previsto para o nascimento, minha madrinha havia sentido dor, e meu padrinho, que a essa altura eu já o havia adotado, teria saído em busca de um barco, pra que fossem pra cidade de Cametá, enquanto isso minha madrinha teria ficado só, quando meu padrinho retornou com o barco, e com a mãe dela que iria acompanhá-la. Qual a grande surpresa! Minha madrinha já teria dado luz e encontrava-se inconsciente, o desespero tomou conta das pessoas, pois a criança havia sumido, e tentavam despertar a mãe pra que ela pudesse revelar o ocorrido. Depois de algum tempo, ela retomou os sentidos e passou a narrar história.
“Antônio quando você me deixou, uma velha entrou no quarto e disse que iria fazer o meu parto, sem que eu pudesse falar, ou reagir, ela se aproximou de mim, pegou em minha barriga, e como mágica a criança nasceu, ela pegou a criança colocou junto de mim para que eu o amamentasse, e disse-me que era macho, depois que a criança mamou ela o tomou de mim e levou embora dizendo que ele ficaria bem e que o traria para me visitar, não lembro de mais nada, a não ser do meu sofrimento por ter perdido o meu filho.”
Essa conversa se espalhou por toda região. A casa dela passou a ser frequentada diariamente, pois as pessoas queriam matar suas curiosidades, e certificar- se do ocorrido. Na casa os brinquedos encontravam-se espelhados por todo canto, pois ela dizia que todas as noites ele ia mamar, brincava com seus brinquedos e depois sumia, mas somente ela o via, meu padrinho nunca o teria visto. Os anos se passaram, eu vim morar em Belém, mas em todas as férias de julho eu ia visitar meus pais e também ia ver minha madrinha. Numa das vezes, criei coragem e perguntei pelo filho dela, ela me respondeu que ele fora encantado em uma cobra, mas que quando ia visitá-la, aparecia na forma de um garoto normal, muito bonito e educado.
Depois de alguns anos, numa de minhas viagens, fiquei sabendo que minha madrinha de fogueira não morava mais lá, seu filho havia pedido para que ela se mudasse, pois o rio estava ficando estreito pra ele, esqueci de esclar os leitores, Ajará-Panema é um igarapé de mais ou menos quinze metros de largura, em alguns pontos chega a ser mais estreito e na vazante fica praticamente seco, ou seja, a cobra precisaria de um rio mais largo, foi então que minha madrinha mudou-se e até hoje não sei do paradeiro dela, alguns dizem que ela está morando no município de Moju, e garantem que seu filho ainda a visita.
Eu só sei que isso aconteceu. Não me perguntem como!