Vanilce Fiel

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Diferença entre ética e moral, na visão de Leonardo Boff

Considerando a complexidade em se estabelecer uma diferença, partiremos da etimologia da palavra ética e moral.
Ethos – ética, em grego – designa a morada humana. O ser humano separa uma parte do mundo para, moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protetor e permanente. A ética, como morada humana, não é algo pronto e construído de uma só vez. O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para si.
Ética significa, portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente para que seja uma moradia saudável: materialmente sustentável, psicologicamente integrada e espiritualmente fecunda.
Na ética há o permanente e o mutável. O permanente é a necessidade do ser humano de ter uma moradia: uma maloca indígena, uma casa no campo e um apartamento na cidade. Todos estão envolvidos com a ética, porque todos buscam uma moradia permanente.
O mutável é o estilo com que cada grupo constrói sua morada. É sempre diferente: rústico, colonial, moderno, de palha, de pedra... Embora diferente e mutável, o estilo está a serviço do permanente: a necessidade de ter casa. A casa, nos seus mais diferentes estilos, deverá ser habitável.
Quando o permanente e o mutável se casam, surge uma ética verdadeiramente humana.
Moral, do latim mos, mores, designa os costumes e as tradições. Quando um modo de se organizar a casa é considerado bom aponto de ser uma referência coletiva e ser reproduzido constantemente, surge então uma tradição e um estilo arquitetônico. Assistimos, ao nível dos comportamentos humanos, ao nascimento da moral.
Nesse sentido, moral está ligada a costumes e a tradições específicas de cada povo, vinculada a um sistema de valores, próprio de cada cultura e de cada caminho espiritual.
Por sua natureza, a moral é sempre plural. Existem muitas morais, tantas quantas culturas e estilos de casa. A moral dos Yanomamis é diferente da moral dos garimpeiros. Existem morais de grupos dentro de uma mesma cultura: são diferentes a moral do empresário, que visa o lucro, e a moral do operário, que procura o aumento de salário. Aqui se trata da moral de classe. Existem as morais das várias profissões: dos médicos, dos advogados, dos comerciantes, dos psicanalistas, dos padres, dos catadores de lixo, entre outras. Todas essas morais têm de estar a serviço da ética. Devem ajudar a tornar habitável a moradia humana, a inteira sociedade e a casa comum, o planeta Terra.
Existem sistemas morais que permanecem inalterados por séculos. São renovadamente reproduzidos e vividos por determinadas populações ou regiões culturais. Assim, a poligamia entre os árabes e a monogamia das culturas ocidentais. Por sua natureza, a moral se concretiza como um sistema fechado.
De que forma se articulam a ética e a moral? Respondemos simplesmente: a ética assume a moral, quer dizer, o sistema fechado de valores vigentes e de tradições comportamentais. Ela respeita o enraizamento necessário de cada ser humano na realização de sua vida, para que não fique dependurada das nuvens.
Mas a ética introduz uma operação necessária: abre esse enraizamento. Está atenta às mudanças históricas, às mentalidades e às sensibilidades cambiáveis, aos novos desafios derivados das transformações sociais. Ela impõe exigências a fim de tornar a moradia humana mais honesta e saudável. A ética acolhe transformações e mudanças que atendam a essas exigências. Sem essa abertura às mudanças, a moral se fossiliza e se transforma em moralismo.
A ética, portanto, desinstala a moral. Impede que ela se feche sobre si mesma. Obriga-a à constante renovação no sentido de garantir a habitabilidade e a sustentabilidade da moradia humana: pessoal, social e planetária.
Concluindo, podemos dizer: a moral representa um conjunto de atos, repetidos, tradicionais, consagrados. A ética corporifica um conjunto de atitudes que vão além desses atos. O ato é sempre concreto e fechado em si mesmo. A atitude é sempre aberta à vida com suas incontáveis possibilidades. A ética nos possibilita a coragem de abandonar elementos obsoletos das várias morais. Confere-nos a ousadia de assumir, com responsabilidade, novas posturas, de projetar novos valores, não por modismo, mas como serviço à moradia humana.
Não basta sermos apenas morais, apegados a valores da tradição. Isso nos faria moralistas e tradicionalistas, fechados sobre o nosso sistema de valores. Cumpre também sermos éticos, quer dizer, abertos a valores que ultrapassam aqueles do sistema tradicional ou de alguma cultura determinada. Abertos a valores que concernem a todos os humanos, como a preservação da casa comum, o nosso esplendoroso planeta azul-branco. Valores do respeito à dignidade do corpo, da defesa da vida sob todas as suas formas, do amor à verdade, da compaixão para com os sofredores e os indefesos. Valores do combate à corrupção, à violência e à guerra. Valores que nos tomam sensíveis ao novo que emerge, com responsabilidade, seriedade e sentido de contemporaneidade.
Há pessoas que insistem em morar em suas casas antigas, sem delas cuidar e sem adaptá-las às novas necessidades. Elas deixam de ser o que deveriam ser: aconchegantes, protetoras e funcionais. É a moral desgarrada da ética. A ética convida a reformar a casa para torná-la novamente calorosa e útil como habitação humana. Como o filósofo grego Heráclito dizia: "a ética é o anjo protetor do ser humano".
Por essa atitude ética, os atos morais acompanham a dinâmica da vida. A moral deve renovar-se permanentemente sob a orientação e a hegemonia da ética. Cabe à ética garantir a moradia humana, sob diferentes estilos, para que seja efetivamente habitável.


Referencial Bibliográfico.
BOFF, Leonardo. A águia e a galinha, a metáfora da condição humana. 40 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

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